Bruce Wayne Contra o MundoColunas

Spawn/Batman

ATENÇÃO!
Este texto contém altos spoilers da edição “Spawn/Batman”.
Depois não diz que eu não avisei.

 

Alfred: Dizem que camomila evita pesadelos! Até mesmo os auto-impostos.
Batman: Eu não tenho pesadelos. Eu os causo.
Alfred: Sem frases de efeito. O senhor está entre amigos.

 

O diálogo poderia ter sido tirado de uma fanfic mal-escrita, fruto da mente de um pretenso escritor que não consegue criar nada a não ser clichês forçados.
Mas não. Ele foi escrito por um dos mais consagrados roteiristas de quadrinhos, responsável por clássicos inquestionáveis que figuram em qualquer lista de melhores de todos os tempos.
E isso torna tudo ainda mais triste.

 

“Batman percebe que não tem chance. É fugir ou morrer.
Morto, ele diz a si mesmo… eu não sou útil.”

 

Para aqueles que não têm idade pra lembrar, em 1994 o mundo era do Spawn. As histórias do soldado transformado em cria do inferno eram campeãs de venda, se davam bem com a crítica, e entregavam com originalidade um pouco de frescor ao saturado mercado de quadrinhos do começo dos anos 90.
E como era obrigatório nos anos 90: ah, mete o Batman aí no rolê!
Não, calma! Melhor ainda! Vamos colocar o criador de um deles, Todd McFarlane, a cargo dos desenhos. E para a história, a gente chama o roteirista-símbolo do outro. Aquele que redefiniu o conceito do personagem e ditou o tom de tudo que veio depois. Alguém me arranja o telefone do Frank Miller!
Era o plano perfeito. Não tinha como dar errado.

 

“O batsinal. Um improvisado pedido de socorro… de uma mulher de bem. 
A mente de Batman quase se perde só de olhar para ela.
Um homem comum chamaria isso de desejo.
Não Batman.”

 

Desculpe o incômodo, mas precisamos falar sobre Frank Miller.

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Miller nos anos 80, antes de ficar doido da piroca

Falar sobre Miller é olhar pro passado. Da sua estréia em Demolidor no finalzinho dos anos 70 até a mini 300, em 1998.
Depois disso, Frank Miller se tornou uma caricatura sem graça de Frank Miller. E como em uma caricatura, tudo se tornou exagerado. Sua narrativa noir, seus desenhos, sua propensão a um certo autoritarismo absurdo, seu preconceito contra os muçulmanos e o islamismo, sua misoginia. O que antes era usado de forma contida, no contexto da ficção que criava, logo tomou uma face mais pessoal, exibindo um ódio real demais, mostrando que aquelas ideias não eram apenas licenças poéticas. Eram ideologias genuínas de uma mente talvez não muito equilibrada.
Falar de Frank Miller é aproveitar o que ele criou durante duas décadas.
O resto, teria sido melhor se fosse silêncio.

Mas enfim…

 

Spawn: Eu vou estraçalhar você!
Batman: Doce ilusão.
Spawn: Vou partir você no meio!
Batman: Lutador despreparado… e sem disciplina.
Spawn: Falar merda não vai te ajudar!
Batman: Lutador sem disciplina. Verme estúpido.
Spawn: Pronto! Você está acabado!
Batman: Estou só me aquecendo, verme.
Diálogo constrangedor enquanto Batman apanha vergonhosamente.

 

Em 1994, o Miller já não era mais o mesmo. Se por um lado ele esbanjava criatividade no seu título autoral Sin City, por outro a última coisa digna de nota que tinha feito com super-heróis foi a mini Demolidor: O Homem Sem Medo, espécie de Batman Ano Um para o personagem da Marvel, mas já sem a mesma inspiração.
Tava claro que o Miller não tinha mais saco ou mesmo entendimento para heróis coloridos e éticos. Mas ei, vamos chamar o Miller para escrever tal crossover. O cara escreveu Ano Um. O cara escreveu Cavaleiro das Trevas.
É o plano perfeito, não tem como dar errado.

Mas deu.

E disso aí, saiu Spawn/Batman.

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A trama é sobre… hã, a história diz respeito ao.. bom.. Batman e Spawn eles, eles.. se encontram, e.. e daí..
Sério, alguém realmente se importa sobre a trama dessa HQ? É uma sobra de roteiro de Robocop que provavelmente não foi aceita em Hollywood e que o Miller resolveu usar de pretexto pra colocar o Batman e o Spawn se batendo e se ofendendo por 52 páginas.

 


Batman: Só siga meus passos. Eu tenho mais experiência nisso… e sou bem mais inteligente. Pelo que notei, você é mais obtuso que o Clark.

Spawn: Que Clark?
Batman: Não é da sua conta.
Spawn: Deus! Aqui tem um arsenal capaz de…
Batman: Cale a boca e acerte os ciborgues. Quem pensa sou eu.

 

Eu confesso. Quando li Spawn/Batman pela primeira vez, eu curti (claro, eu tinha 11 anos de idade, qualquer merda era ouro). Quando saiu Cavaleiro das Trevas 2, eu defendi o Miller. Quando saiu All-Star Batman & Robin, eu defendi o Miller. Eu via ali uma espécie de paródia proposital, uma crítica ao mercado de quadrinhos.
Em um texto antigo para um site já finado, eu escrevi o seguinte sobre All-Star:

Frank Miller mostra um Batman completamente desfigurado, mentalmente (doido), que xinga qualquer um que entra em sua frente, quebra os ossos de seus inimigos por puro prazer sádico, usa um bigodinho bizonho, age estilo Dirty Harry e grita, despreza, espanca e apavora o pobre Dick Grayson minutos depois do garoto perder seus pais. Enquanto isso, Jim Lee não se cansa de desenhar mulheres gostosas, poses forçadas e personagens musculosos em páginas duplas.
Mas vamos esquecer por uns minutos nossa visão limitada de uma história em quadrinhos, e entrar no fantástico mundo do “e se…”!
E se tudo o que o Miller estiver fazendo com o personagem que o tornou tão célebre não passar da maior crítica já feita à industria de quadrinhos???
O Batman da linha All-Star é tudo aquilo que os leitores tanto amavam nos anos 90, e os desenhos do Jim Lee são exatamente os mesmos que todo nerd que se preze tinha grudado na parede do quarto!
Além disso, Miller só quer provar que os fãs de quadrinhos são extremamente conservadores. Afinal, mesmo em uma revista que não está ligada à cronologia da DC, é só mudar um pouco o personagem que todos caem em cima. Sendo que o intuito da linha é exatamente esse: reinventar!
Portanto, toda a série All-Star Batman é uma grande peça do Miller, seja nos leitores, nos artistas (inclusive o próprio Jim Lee) e nas editoras… para mostrar o quão hipócrita e conservador é o mercado de quadrinhos norte-americano!
Sem contar que podemos ver claramente que o personagem vai ficando mais identificável a medida que o Robin vai entrando em sua vida…
Exatamente como aconteceu no mundo real, na década de 40.
All-Star Batman é provavelmente a série mais subestimada dos últimos anos.
E enquanto Frank Miller não conclui sua passagem pelo título, resta a questão:
E se All-Star Batman, num futuro próximo, acabar tão celebrada quanto Cavaleiro das Trevas?

Hoje eu percebo que, muito longe de ser uma crítica, essa é a visão que Frank Miller tem do mundo.
Ele mesmo já disse que tanto All-Star quanto o encontro com o Spawn são parte de seu universo do Cavaleiro das Trevas.
Quer dizer, não é o Batman.
É o SEU Batman.
Esse é o tipo de prepotência que marca a mentalidade do Frank Miller.

Pra não dizer que tudo está perdido, os desenhos do McFarlane estão bem bacanas. Além do domínio que ele tem com seu próprio personagem, ele também mostra que sabe desenhar o Batman, inclusive pegando algumas referências bacanas do próprio Miller.

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No fundo, Spawn/Batman é apenas um fan service extremo, que gasta páginas e páginas com uma trama sem graça, uma conclusão anti-climática, e um Batman irritantemente chato que chama qualquer um de “verme” (“punk” no original) e tenta se provar melhor que todo mundo.

 

“Batman e Spawn se materializam em cima do míssil soviético que prenuncia a morte de milhões em Nova Iorque.
As mãos de Batman param de tremer.
Sua mente clareia.
Batman: São circuitos redundantes…
Spawn: Eu conheço o modelo. Não são circuitos redundantes. Toque no lugar errado e todo mundo morre!
Batman: Não vou errar. E nunca mais puxe a minha capa.
Um gênio atua.
Uma mente tão brilhante que revolucionaria a física moderna.
Nas mãos, a perícia de um cirurgião plástico… ou de um arrombador de cofres.
Batman.
Detetive.
Vigilante.
Herói.”

 

Com Cavaleiro das Trevas, Frank Miller criou aquela que é, para alguns, a versão definitiva do Batman.
Um Batman próprio, mais violento, intolerante, perturbado, arrogante, chato e prepotente.

Triste perceber que tudo o que ele criou foi apenas um reflexo de si mesmo.

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Ama Frank Miller? Odeia Frank Miller? Ama Batman? Odeia Batman? Ama Spawn? Odeia Spawn? Ama McFarlane? Odeia McFarlane? Me ama? Me odeia?
Olha, eu particularmente não me importo.
Mas comenta aí, prometo que leio com carinho e reflito durante minhas madrugadas insones. 

Thiago Brancatelli

Lindo, alto e charmoso. Não possui bichos de estimação, mas divide o aluguel com um cachorro vira-lata chamado Tyler. Já fez tudo o que queria antes dos 30, por isso passa seus dias deitado no sofá lendo quadrinhos, vendo Netflix e comendo Tortuguitas. Está em um relacionamento sério com o site XVideos, mas é apenas pelo sexo.