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100 mil pessoas querem ver Liga da Justiça da maneira errada

Eu considero 2013 um ano bem marcante na minha vida. No geral, as pessoas lembram da onda de protestos iniciada pelos 20 centavos do transporte público de São Paulo, que acabou culminando na massa amorfa e “apartidária” que transformou o Brasil na bagunça que está hoje em dia. Particularmente, minha visão é bem menos política, ou, melhor dizendo, com menos politicagem: 2013 foi o último ano em que eu consegui assistir um filme de super-herói sem me irritar.

Lembro até hoje como era a expectativa para O Homem de Aço, do “visionário” Zack Snyder, que já havia assassinado Watchmen quatro anos antes. Até então eu não tinha nenhuma antipatia muito grande com o diretor. Claro que odiei a versão dele da graphic novel de Alan Moore, mas seu trabalho pra adaptar coisas mais fáceis como 300 ou Madrugada dos Mortos me fazia acreditar que ele era um cara bom, mas que vez ou outra ia fazer alguma bosta como Sucker Punch.

Foi então que Man of Steel estreou e nós, fãs de quadrinhos e da DC, pudemos ver pela primeira vez uma adaptação do último filho de Krypton que não estivesse ligada ao legado de Christopher Reeve. Afinal, um dos infindáveis erros de Superman: O Retorno é querer ser uma continuação direta aos filmes clássicos. Mas a impressão deixada pelo que viria a ser o embrião do atual universo cinematográfico da DC foi morna. Não houve pessoas urrando e bradando que era o melhor filme de todos, mas tampouco ouvia-se pessoas dizendo que era algo horrendo. Eu não gostei muito da visão do Superman, das suas motivações, do seu jeito sisudo e sem felicidade. Foi difícil acreditar que aquele S significava esperança quando ele estava estampado no peito de um homem que deixou o próprio pai morrer. Por mais que esse Jonathan Kent preferisse ver crianças afogadas, ele não merecia esse triste fim.

Mas a vida seguiu e Homem de Aço parecia caminhar para aquele limbo existencial que filmes mais ou menos vão para ser esquecidos e não aparecerem nas listas de melhores/piores de todos os tempo. O Azulão (quem nem é tão azul assim nas mãos do Snyder) ia ficar abraçado com Blade 2, Hellboy 2 e The Dark Knight Rises. Parece justo, não?

Mas em algum momento os maiores vilões do universo DC apareceram. Os executivos da Warner viram a montanha de dinheiro que a Marvel estava ganhando e ainda ia ganhar com todo o seu planejamento para o cinema. Sentindo o cheiro de sangue, os engravatados então decidiram que era hora de começar seu próprio universo compartilhado.

Mas, ao contrário da concorrência, a DC não iria colocar um herói de segundo escalão para estrear algum filme, como foi o Homem de Ferro. Se começaram com seu carrão de sena, era hora de trazer outro figurão das HQs para as telonas: O Batman.

(Por motivos de sanidade mental e andamento do texto eu não vou comentar o que eu acho sobre colocar o homem-morcego como personagem de destaque em um filme apenas quatro anos depois de ter encerrado uma trilogia de sucesso)

Em um tempo curto, a Warner quis nos dizer que ela estava com um universo compartilhado tão organizado ou mais que a Marvel. Uma informação duvidosa, pois todos personagens da DC pertenciam ao estúdio, facilitando o serviço, mas ao mesmo tempo a casa das ideias já tinha lançado 7 filmes (8 se incluirmos o Hulk do Edward Norton) e já teria lançado mais 6 até o segundo filme dessa empreitada estrear.

Quase ninguém mais lembra disso

Ao invés de pavimentar uma estrada para bater de frente a longo prazo, a decisão foi fazer Batman vs Superman. Não só colocar os dois maiores heróis da editora, mas fazê-los brigar, ter um Batman mais velho e já na ativa há muito tempo, introduzir elementos de Cavaleiros das Trevas de Frank Miller, A Morte do Superman e de supetão tascar uma Mulher-Maravilha na equação. Parece a receita do sucesso.

Então, em 2016, todos nós fomos assistir BvS, cercados de esperanças e desconfianças. Para o nosso azar, o que vimos foi uma epopeia de erros, aspirações de grandeza e total fracasso em ser um filme bom. Tudo totalmente conduzido pelo maestro do caos, Zack Snyder.

O filme que trouxe a guerra até nós

Dessa vez foi diferente… Não havia uma apatia geral como no filme anterior da DC. Quem saiu da sala berrava de ódio ou de amor pelo longa metragem. Demorou muito tempo para perceber o que a Warner tinha feito de maneira tão genial. O lado sombrio do filme afastou completamente os heróis da DC do tom usado na concorrência. Foi aí que tudo virou futebol.

Não importa os seus argumentos, qualquer crítica ao novo “melhor filme de super-heróis já feito” te garante  selo de marvete, de não ter entendido o filme ou o famoso “é só a sua opinião”. A febre, que transforma os bons fãs em maus, foi crescendo e até mesmo os mais comedidos passaram a adotar discursos prontos como “a Warner picotou tudo” e “a versão estendida melhora o filme”. Não era importante ser um filme de qualidade, o que era importante era ser diferente da Marvel.

Um ano se passou e a internet não conseguia calar a boca sobre o filme. Qualquer novo lançamento de super-heróis, podia ser até da Fox, era motivo pra começar a discussão sobre o quão BvS é burro/genial. Uma discussão que teve pausa, como um lindo cessar fogo durante a época de Natal, no lançamento de Mulher-Maravilha. Facilmente o melhor filme da DC nesse universo cinematográfico, MM não teve Snyder na direção, embora estivesse envolvido na produção e roteiro, e todos nós pudemos apreciar a beleza de um filme de herói sem a gritaria das torcidas organizadas das editoras.

Mas era questão de tempo até isso voltar, pois Liga da Justiça iria estrear. A maior equipe de super-heróis de todos os tempos em um filme live action e tudo estava nas mãos do mesmo homem que havia entregado MoS e BvS.

Por motivos maiores e trágicos, Zack Snyder teve que se fastar da direção do filme com menos de um ano para a estreia. Joss Whedon, que já havia sido contatado pela Warner para fazer Batgirl neste universo, ficaria responsável por finalizar o filme. Isso evoluiu de “Whedon está refilmando algumas coisas”, para “O filme vai ter um tom mais diferente” até chegar em um nível que não sabíamos mais o que iríamos ver.

Mas o filme chegou. E, para poupar seu tempo, você pode ver o que achamos no vídeo logo após a cabine de imprensa e no nosso episódio de podcast sobre. Completamente diferente do que foi feito até aqui, mas de um forma boa! Com todos seus erros de ritmo (afinal, dois diretores) e até de encaixe de personagens com o background criado nas películas anteriores, Liga da Justiça é um sopro de esperança em todas as cores que não existiam nos filtros escuros de Batman vs Superman.

Porém, a narrativa criada pela Warner armou uma armadilha para a qual não estava preparada: Não importa se o filme foi bom, o que importa é ser diferente da Marvel. Por isso 100 mil pessoas estão dispostas a ver uma versão só do que foi feito por Zack Snyder em Liga da Justiça.

Não importa que a visão de heroísmo tenha sido retomada, não importa que finalmente tenhamos um homem  de aço azul, sorridente e que dá esperança para a humanidade. O QUE IMPORTA É SER DIFERENTE DA MARVEL.

Virou futebol, virou fã-clube de diretor com carreira mais ou menos e virou o fim do bom senso. Se todos os fãs ganharam com Liga da Justiça, todos os fãs também perdem quando petições como essa ganham força.

Roberto Segundo

Nunca gostou de assistir zorro por medo que seus pais morressem. É um vigilante contra a anorexia e mantém o recorde de fatias no rodízio de pizza do Bairro. Jornalista, editor e nunca comeu a tia do Batman.