Bruce Wayne Contra o MundoColunas

Batman e os Looney Tunes

ATENÇÃO!
Este texto contém altos spoilers da edição “Batman/Hortelino Troca-Letras: Leze Por Mim”.
Depois não diz que eu não avisei.

Desde o lançamento de Batman: O Cavaleiro das Trevas (a HQ, não o filme), é comum a opinião do público sobre aquele que é talvez o mais marcante traço do personagem:

Ah, o Batman tem que ser sombrio!

É isso aí!
Tem que renegar a série clássica e tudo o que foi publicado entre os anos 50, 60 e 70!
O Batman, obviamente, não é um personagem pra criancinhas. Ele é a noite, ele é soturno, ele é assustador, ele é introspectivo e passa páginas e páginas e páginas e páginas e páginas e páginas e páginas com longos monólogos internos auto-contemplativos!
Ahh, sim! Esse sim é o Batman de verdade!
E tudo relacionado com ele tem que ser assim também!

Leitor de quadrinhos adora cagar regra.
O Homem-Aranha tem que ser assim. O Superman tem que ser assado. A Tempestade nunca faria isso. A Mulher-Maravilha teria dito outra coisa. O Hulk só age de tal maneira. A Mulher-Gato está completamente descaracterizada. O Reed Richards nunca tomaria essa decisão se levarmos em conta a cronologia.

Muitos roteiristas se viram obrigados a dançar de acordo com as regras. Alguns são bem competentes, se adequando a essa imposição. Alguns tiram ouro desse conceito e criam histórias absolutamente clássicas. E tem outros, esses sim os mais abençoados, que não apenas sabem trabalhar o conceito, como conseguem expor a piada que é tudo isso.

Gente… friamente, a gente tá falando de um órfão riquinho que se veste de morcego durante a noite na cidade criminalisticamente mais putaquepariu dos Estados Unidos. Ele se veste de morcego, veja bem, e sai pra brigar com os bandidos. Em sua maioria, gente com graves desvios psiquiátricos.
Ele tem um carro, ele tem uma caverna, ele tem um cinto cheio de apetrechos, ele tem até um holofote gigante com o símbolo dele, que a polícia liga quando precisa de ajuda. E ele pega tudo isso e coloca “bat” antes do nome de cada coisa, porque ele acha legal.
Ele leva uma criança de 8 anos de idade – devidamente fantasiada, óbvio – pra combater o crime com ele. Na cidade criminalisticamente mais putaquepariu dos Estados Unidos. Ele, de cinza, amarelo e azul. A criança, de amarelo, vermelho e verde. Porque, e vamos entender isso muito bem, o intuito é fazer brotar o medo no coração dos criminosos.

E daí alguém falou:
Como ousam infantilizar algo claramente tão maduro?
Meu Batman é trágico 100% do tempo, ele é sério 100% do tempo!

Vejam bem, eu não estou criticando essa visão do personagem. É a que eu mais gosto, inclusive.
Mas a cagação de regra? A necessidade de falar que só esse é o “Batman real”?
Tem que acabar o fanboy!

O meu ponto é que tem alguns roteiristas que entendem o absurdo de se levar esse universo fictício muito a sério.
Um deles é o roteirista atual do Batman: um homem que eu amo chamado Tom King.
“Ahhhh mas se você fala que ama ele então esse texto não vai ser imparcial…”
Não vai, não! É a minha coluna! E a minha opinião é sempre parcial!

Enfim, o King é um cara que sabe rir de absurdos.
Foi isso que ele fez em suas duas histórias super-heroicas mais autorais e mais celebradas, Visão e Senhor Milagre.
Foi também o que fez, por exemplo, quando vemos o Bruce e a Selina discutindo como eles se conheceram. Em uma cronologia tão emaranhada quanto a da DC, cada um fala um encontro cronológico diferente. Para nós, leitores, os dois estão certos.

E foi esse Tom King que a DC escolheu quando teve a ideia de juntar as duas grandes marcas da Warner em um crossover.
Os heróis da DC Comics, e os personagens dos Looney Tunes.
No caso, mais especificamente o Batman e o Hortelino Troca-Letras.

Por mais estranho que pareça misturar universos tão diferentes, eu cresci fazendo isso.
Minha manhã de domingo era pautada por Looney Tunes, Droids, Batman, Tiny Toons, Hulk, Animaniacs, Homem-Aranha e Freakazoid!
Era Warner, DC, Marvel e Star Wars na sequência, um quase tocando o outro. A seriedade da série animada do Batman nunca sobrevivia à loucura de um Freakazoid! A melancolia do Hulk se perdia quando 3 irmãos saiam de uma caixa d’água ou quando dois ratos de laboratório tentavam dominar o mundo. Era divertido alternar a tentativa de pé-no-chão dos super-heróis com a extrema falta de lógica dos outros desenhos.
Mas naquela época tudo ainda estava muito próximo. Como juntar hoje o absurdo dos desenhos com a seriedade imposta aos quadrinhos?

Exaltando o absurdo e rindo da seriedade, claro!

Esse é o ponto de LEZE POR MIM, grande encontro entre Batman e Hortelino Troca-Letras (Batman/Elmer Fudd: Pway For Me, no original), escrito pelo King e desenhado pelo absurdamente maravilhoso Lee Weeks.

Tudo é direto, sem muita enrolação.

O Hortelino tá pistola porque descobriu que sua namorada foi morta pelo Pernalonga, e vai no encalço do malandro, que, para sobreviver, dá o nome do mandante do assassinato.
Bruce Wayne.

É uma trama noir e violenta… que aponta e ri da própria narrativa noir e da violência.
Algo que até dá pra imaginar tranquilamente como um episódio de Animaniacs ou Tiny Toons.
A piada já começa no primeiro quadrinho. A narração em off do Hortelino é séria. Ao mesmo tempo, é impossível levar a sério.

“Algumas vezes a chuva cai tão folte que você esquece que já esteve seco.
Eu tento ver lá fola, no passado ou no futulo, os alco-ílis espelando.
Chegando no Gago’s naquele dia, eu me esfolço pala lemblar. Eu lealmente me esfolço.
As coisas não folam semple assim. Elas não selão semple assim.
Eu tento o meu melhor e a água infiltla, colando meu casaco na minha espingalda, e eu palo de tentar, e caminho pala dentlo.
Meu nome é Holtelino Tloca-Letlas.
Eu estou caçando coelos.
Shhhhhhh.”

É impossível não ler a narração – que se estende por toda a história – na voz do Hortelino (que no original troca os Rs e Ls por Ws).
Como levar a sério?

Nota do Brancatrolha: No Brasil, o “wabbit” que o personagem fala já foi traduzido como “coelo” e posteriormente “toelho”. A Panini optou pelo primeiro.

O que é que há, velhinho?

No clima noir, o antes caçador atrapalhado e agora assassino amargurado vai procurar seu alvo no Gago’s (Pork’s no original), um bar que reúne entre seus clientes a nata dos Looney Tunes.
Mas a grande sacada é interpretar os personagens não como animais antropomórficos, e sim como pessoas reais. E parte da diversão é, óbvio, elencar as participações especiais da história.
Os que eu reconheci são esses:

Pernalonga

 

Gaguinho

 

Piu-Piu

 

Frajola

 

Frangolino e Eufrazino Puxa-Briga

 

Taz

 

Marvin

 

Pepé Le Pew

 

Ligeirinho

 

Wile E. Coyote e (eu acho que é o) Barnyard Dawg

 

Patolino

E meu favorito pessoal, Michigan J. Frog!

Durante a história, também sobram homenagens pra dupla Tex Avery e Chuck Jones, frases clássicas (“Acho que virei errado numa esquina em Albuquerque.”), referências a episódios clássicos…
No fim, fica a vontade de ver essa mesma história pela perspectiva contrária.

Tanto o King quanto o Weeks conseguem fazer algo que, de tão carrancudo, fica engraçado.
O humor funciona porque o leitor se convence de que aquilo é sério, e então ele é arrebatado pelo absurdo de tudo aquilo. No teatro, você aprende que a comédia é uma tragédia exagerada. E esse é o mote aqui.
Um homem vestido de morcego se encontra no absurdo de um coelho malandro ou de um porco gago.

Toda chance de fazer piada com as bobagens que as pessoas levam a sério demais é válida.

Vale dizer que, brincando com a estrutura dos crossovers, depois da treta obrigatória, Batman e Hortelino se juntam no final da história com seu objetivo em comum.

“Ahhhhh mas isso tá errado o Batman nunca se juntaria a um assassino o King claramente não leu revistinha o bastante ele não conhece a essência do personagem!”

Ah, vai à m…

 

 

Comenta se quiser. Não comenta se não quiser.
Não é como se eu fosse super carente.
(comenta vai, por favor)

Thiago Brancatelli

Lindo, alto e charmoso. Não possui bichos de estimação, mas divide o aluguel com um cachorro vira-lata chamado Tyler. Já fez tudo o que queria antes dos 30, por isso passa seus dias deitado no sofá lendo quadrinhos, vendo Netflix e comendo Tortuguitas. Está em um relacionamento sério com o site XVideos, mas é apenas pelo sexo.