Batman da Terra-2 • Parte 1: O Multiverso

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Você sabia que, em um passado não muito distante, a DC Comics conviveu de maneira alegre e um tanto quanto confusa com dois Batmen? E que um desses Batmen era casado e tinha uma filha? E que também havia no universo ficcional da DC dois Dick Grayson, sendo que um deles era um pouquinho mais velho que o Cavaleiro das Trevas que conhecemos?

Se você já sabia sobre tudo isso, meus parabéns: você é um fã “das antigas” de quadrinhos e está ficando velho! Caso contrário, você ainda é um “iniciante” nos mistérios que cercam a vasta mitologia da DC Comics. Mas, independente do seu “status nerd” neste momento a Mansão Wayne orgulhosamente o convida a permanecer aqui para saber mais sobre os “mistérios” que cercam ninguém mais ninguém menos que o Batman da Terra-2!

Um pouco sobre a História

Mas… Antes de discorrermos sobre o Batman da Terra-2, precisamos falar um pouco sobre A História das Histórias em Quadrinhos nos Estados Unidos. Em 1938, Max Charles Gaines fundou a editora de quadrinhos All-American Publications… O surgimento de tal companhia foi possível graças ao auxílio monetário de Harry Donenfeld, um empreendedor que tinha experiência neste campo, já que era o proprietário da National Allied Publications, empresa que foi o berço do Superman e do Batman.

Compartilhando recursos financeiros, administrativos e artísticos com a sua “irmã” National, rapidamente a All-American demonstrou ser uma potência criativa, já que por lá surgiram personagens do calibre do Flash, Lanterna Verde, Pantera, Gavião Negro, Doutor Meia-Noite, Mulher-Maravilha e muitos outros. Sem dúvida, a All-American possuía um belo conjunto de personagens e, para esquentar ainda mais as coisas entre o final de 1940 e o início de 1941, mandou para as bancas a revista em quadrinhos All-Star Comics #03, que trazia apenas e tão somente a estreia da Sociedade da Justiça da América, uma das primeiras equipes de super-heróis dos quadrinhos!

All-Star Comics #36: Batman ao lado da Sociedade da Justiça. Arte de Irwin Hasen.

Criada pelos lendários quadrinistas Gardner Fox e Sheldon Mayer e com alguns heróis “emprestados” da National – entre eles Sandman, Senhor Destino, Homem-Hora e Starman – a Sociedade da Justiça se mostrou um sucesso tão estrondoso que até a National autorizou a All-American a usar o Superman e o Batman como membros “honorários” da super-equipe. Porém, tudo que é bom um dia termina… Em 1944 Gaines e Donenfeld romperam a sua parceria comercial e o acervo criativo da All-American foi formalmente incorporado pela National, que, anos depois, mudaria seu nome para DC Comics. Entretanto, esse certamente seria o “menor problema” a ser encarado pelos integrantes da Sociedade da Justiça.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, as vendas dos gibis de super-heróis caíram drasticamente e, até o início dos anos cinquenta, a Sociedade da Justiça e a maioria dos aventureiros mascarados tiveram suas revistas canceladas. Alguns poucos heróis como o Superman, Batman, Mulher-Maravilha, Aquaman e Arqueiro Verde sobreviveram à “degola”, entretanto as tendências do mercado naquela época mostravam que o gênero “super-herói” seria apenas mais um entre os diversos estilos a serem praticados dentro do Quadrinho Americano.

Batman atua ao lado da Sociedade da Justiça em All-Star Comics #36. Arte de Irwin Hasen.
A Velha Guarda Heróica de Volta

Só que… Em 1956, o editor Julius Schwartz decidiu relançar o Flash com algumas mudanças: o poder básico do personagem (a super-velocidade) continuaria o mesmo, contudo o uniforme, identidade secreta e ambientação seriam completamente diferentes e as histórias teriam uma pegada ligeiramente mais “sci-fi” do que aquelas produzidas nas décadas anteriores. Assim, sob a batuta de Schwartz, o escritor Robert Kanigher e o desenhista Carmine Infantino trouxeram à vida um novo Flash nas páginas do gibi Showcase #04.

O novo Flash – cuja identidade secreta era Barry Allen, um perito da polícia de Central City – revelou-se um campeão de vendas, motivando Schwartz a aplicar novamente a mesma fórmula de sucesso e, assim, a DC criou novas versões do Lanterna Verde, Gavião Negro e Átomo. Até mesmo a Sociedade da Justiça foi, de certa forma, “repaginada” com a criação da Liga da Justiça da América, uma equipe que agregaria os heróis da nova geração juntamente a Batman, Superman, Mulher-Maravilha e outros.

Esta torrente de sucessos animou os editores e quadrinistas da DC Comics e reativou o interesse do público pelos super-heróis. Todavia, ela teve um pequeno “efeito colateral” inesperado: dezenas de fãs adultos que acompanharam os heróis dos anos quarenta enviaram cartas para a redação da DC Comics, implorando pela volta dos seus amados aventureiros mascarados da infância! Apaixonados como Jerry Bails (que se tornaria um dos primeiros e principais pesquisadores da Nona Arte nos EUA) e Roy Thomas (que posteriormente se transformou em um dos mais importantes editores e escritores de todos os tempos do mercado americano de Quadrinhos) tinham até mesmo a cara-de-pau de enviar sugestões de roteiros que, em tese, viabilizariam o retorno dos seus velhos ídolos! Diante de tantos apelos, Schwartz não teve outra opção se não trazer a “velha guarda heroica” de volta para a ribalta. Porém, tal volta ocorreria de uma forma que nenhum fã daquela época jamais poderia imaginar.

Flash #123: surge a Terra-2. Arte de Carmine Infantino.

No segundo semestre de 1961, foi lançada a revista Flash #123, que trazia a aventura “Flash de Dois Mundos” (Flash of Two Worlds). Nesta história, escrita por Gardner Fox e desenhada por Carmine Infantino, o novo Flash vibra seu corpo em alta velocidade e, graças a isso, quebra algumas barreiras dimensionais, indo parar em um planeta Terra muito similar ao seu.  Após algumas andanças do nosso herói naquela Terra, o sonho de velhos e antigos fãs se realizou, Barry Allen se encontrou com Jay Garrick, o antigo Flash dos anos quarenta! Feitas as devidas apresentações, os dois heróis se aliaram, distribuíram sopapos em alguns supervilões e Barry Allen retornou feliz e satisfeito para sua Terra de origem. Ah, antes que nos esqueçamos: esta história foi publicada no Brasil em 2008 na revista Coleção DC 70 Anos – 04 de 06 – As Maiores Histórias do Flash e em 2010 na edição comemorativa Coleção DC 75 Anos – 02 de 04 – A Era de Prata.

Este pequeno clássico introduziu na mitologia da DC Comics o conceito do Multiverso, que definia a existência de múltiplas Terras separadas por vibrações dimensionais, sendo que cada uma delas teria o seu próprio desenvolvimento histórico e cultural, além do seu próprio conjunto de superseres. Naturalmente, os leitores exigiram mais encontros dos dois Flashes e os velocistas novamente se aliaram nos gibis Flash #129 e Flash #137. Entretanto, em Flash #137, Jay Garrick não veio sozinho: junto com ele apareceram os seus antigos companheiros da Sociedade da Justiça e, assim, foi definitivamente formalizada a volta do grupo de aventureiros mascarados dos anos quarenta!

A Sociedade da Justiça se reagrupa em Flash #137. Arte de Carmine Infantino.
Uma Tradição foi instituída

Ora, se o encontro dos dois Flashes foi um sucesso, por que então não juntar, na mesma aventura, a Liga da Justiça e a Sociedade da Justiça? Com esse pensamento em mente o escritor Gardner Fox e o artista Mike Sekowski – sob o comando editorial do inefável Julius Schwartz – conceberam uma história em duas partes publicada em 1963 nos gibis Justice League of America #21 e Justice League of America #22 e batizadas respectivamente com os títulos “Crise na Terra-1” (Crisis on Earth-1) e “Crise na Terra-2” (Crisis on Earth-2).

Essa aventura (publicada pela última vez no Brasil nas edições especiais Crise nas Múltiplas Terras – Volume 01 e Coleção DC 75 Anos – 02 de 04 – A Era de Prata, respectivamente em 2008 e 2010) tornou-se instantaneamente um dos maiores clássicos de todos os tempos dos Quadrinhos Americanos e, a partir dela, algumas coisas foram definidas: a chamada “Terra-1” seria o lar da Liga da Justiça e dos novos heróis criados a partir dos anos cinquenta; por outro lado, a “Terra-2” seria o planeta de origem da Sociedade da Justiça e dos antigos heróis da década de quarenta, que seriam algo em torno de quinze a vinte anos mais velhos que os seus equivalentes da outra dimensão.

Justice League of America #21: Liga e Sociedade da Justiça se encontram. Arte de Mike Sekowski.

A partir deste primeiro encontro entre a Liga da Justiça e a Sociedade da Justiça, uma tradição foi instituída dentro da DC Comics: uma vez por ano, as duas equipes uniriam forças – quase sempre na revista Justice League of America – e, juntas, enfrentariam uma ameaça comum. Tal tradição perdurou até o final de 1985, mas… Uma pergunta fica no ar… Afinal de contas, onde está o tal do Batman da Terra-2?

Um Cruzado Encapuzado na Terra-2

Ora, nas aparições iniciais da Sociedade da Justiça nos anos sessenta, de forma imediata foi definido que existia uma Mulher-Maravilha na Terra-2, porém não havia a menor pista sobre a existência de um Superman ou de um Batman por aquelas bandas. Provavelmente, esta decisão foi tomada porque os editores da DC Comics temiam que uma eventual exposição exagerada do Homem de Aço e do Cruzado Encapuzado – as duas “joias da coroa” da editora – fosse prejudicial para os dois personagens. Afinal de contas, inacreditavelmente, essa foi a justificativa que limitou a participação deles nas primeiras histórias da Liga da Justiça! Entretanto, com o tempo essa barreira caiu e a participação da dupla se tornou algo corriqueiro no gibi do maior super-grupo da DC Comics. E, também com o tempo, algumas novidades surgiram na Terra-2.

Em 1966, Gardner Fox e Carmine Infantino conceberam a história “A Estranha Morte de Batman” (The Strange Death of Batman), originalmente publicada no final de 1965 no gibi Detective Comics #347 e no Brasil pela última vez em 2010, no encadernado Batman 70 Anos – 04 de 04 – As Estranhas Mortes de Batman. Nessa aventura a Dupla Dinâmica encarou um supervilão chamado Saltador e, como sempre, triunfou. Contudo, em suas últimas páginas, uma pequena surpresa aguardava os leitores: fazendo uso de recursos metalinguísticos Gardner Fox em pessoa apareceu no gibi!

Robin da Terra-1 se encontra com o Batman da Terra-2. Arte de Carmine Infantino.

Nesta “aparição-surpresa”, Fox convidou os leitores a imaginarem o que aconteceria se o Saltador matasse o Homem-Morcego. Este pequeno exercício imaginativo teve um desdobramento interessante: após enterrar o seu mentor e vingá-lo, Robin voltou para a Batcaverna e lá estava à sua espera o Batman da Terra-2, que graciosamente se ofereceu para completar o treinamento do Menino-Prodígio! Resumindo as coisas: Fox deixou claro para todos os leitores que havia pelo menos a possibilidade de existir um Cruzado Encapuzado na Terra-2! E não é preciso ser um gênio para saber que essa “possibilidade” foi rapidamente explorada, é claro!

Justice League of America #55: estreia do Robin da Terra-2. Arte de Mike Sekowski.
O Suprassumo da Elegância

 

No ano de 1967, os gibis Justice League of America #55 e Justice League of America #56 trouxeram respectivamente as aventuras “The Super-Crisis that Struck Earth-2!” (A Super-Crise que atingiu a Terra-2) e “The Negative-Crisis on Earths One-Two!” (A Crise Negativa nas Terras 1 e 2). Escrita por Fox e desenhada por Mike Sekowski, essa pequena saga – que permanece inédita no Brasil – constituiu o quinto encontro da Liga da Justiça com a Sociedade da Justiça. Nela, as duas equipes enfrentam alienígenas oriundos de um “Universo Negativo” que pretendiam conquistar as duas Terras. Tudo muito interessante, mas o fato de maior destaque nesta aventura foi a estreia do Robin da Terra-2!

Robin se torna membro da Sociedade da Justiça em Justice League of America #55. Arte de Mike Sekowski.

Nessa aparição, Robin é um adulto com a idade superior a trinta anos e enverga um novo uniforme, que mescla elementos do seu antigo traje com o do seu mentor. Não era exatamente o suprassumo da elegância, mas deixava bem claro para os desavisados quem era o personagem. Aliás, este encontro da Liga da Justiça com o seus colegas da Terra-2 começa justamente com a entrada do Robin nas as fileiras da Sociedade da Justiça, em substituição ao Batman, que naquele momento curtia uma boa e merecida semi-aposentadoria.

Robin da Terra-2 confabula com vários heróis em Justice League of America #55. Arte de Mike Sekowski.

Quanto ao Batman da Terra-2… Bem, ele teve a sua estreia formal em 1970 na revista Justice League of America #82, que trazia a aventura “Peril of the Planets Paireds!” (O Perigo dos Planetas Emparelhados), concebida por Denny O’Neill e Dick Dillin e inédita em terras brazucas.  Porém, a sua aparição se restringiu a apenas um quadro da história, onde, de braços cruzados e sem nenhuma fala, ele participa de uma reunião da Sociedade da Justiça. Não foi exatamente uma estreia “espetacular”, mas deixou definitivamente claro para todos os leitores que o Homem-Morcego da Terra-2 estava a disposição dos escritores da DC Comics para ser usado em futuras aventuras.

A primeira aparição oficial do Batman da Terra-2. Arte de Dick Dillin.

Mas… Vocês gostariam de saber em que aventuras o Batman da Terra-2 se envolveu após a sua primeira aparição? Para saber mais continue acessando a Mansão Wayne, já que, no próximo artigo desta série, explicaremos como foi o primeiro encontro do Robin da Terra-2 com sua contraparte da Terra-1. Explicaremos também o novo papel exercido pelo Bruce Wayne da Terra-2. Até a semana que vem!

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Claudio Roberto Basilio

Analista de sistemas nas horas vagas e colecionador de quadrinhos em tempo integral, ainda encontra um tempo para participar da organização da Santos Comic Expo, um dos principais eventos de quadrinhos do Litoral Paulista.