Entrevista

Entrevista: Chuck Dixon, o criador do Bane

Nascido em 14 de abril de 1954, o americano Charles Dixon, ou como os fãs de HQs o conhecem, Chuck Dixon, começou sua carreira escrevendo a heroína Evangeline em 1984, mas só começou a chamar atenção na Marvel Comics, em 1990, quando assumiu as aventuras do Justiceiro.

Como este é um site sobre o Batman, não é difícil imaginar onde estamos chegando, certo? Dixon iniciou sua longa trajetória com os heróis de Gotham City na minissérie Robin, ainda em 1990 e, a partir daí, escreveu em um momento ou outro quase todos os títulos do Batsquad, se tornando o principal roteirista das revistas naquela década.

Não é à toa que escolhemos Chuck Dixon como nosso primeiro entrevistado estrangeiro!

A minissérie de estreia de Chuck Dixon no universo do Batman.

Mansão Wayne: Como foi seu início no mercado de quadrinhos e, mais especificamente, sua entrada no mundo do Batman?

Chuck Dixon: Foram anos e anos importunando editores, muitas entrevistas e amostras. Quanto ao Batman, é um trabalho dos sonhos com o qual jamais havia sonhado. Acho que eu já estava no ramo trabalhando em período integral havia uns seis anos quando Denny O’Neil me convidou para escrever uma minissérie do Robin. Ele gostou do que fiz e continuou me passando outros títulos.

MW: Como principal roteirista do período, qual era sua participação no planejamento da bem sucedida série de sagas dos anos 1990, como A Queda do Morcego, Contágio e Terra de Ninguém?

Dixon: Foi um trabalho em equipe, encabeçado por Denny e seu jovem bando. O único desses eventos que foi ideia minha foi O Legado do Demônio. Na maior parte do tempo, estava envolvido no planejamento do que aconteceria em cada edição no decorrer da história. Doug Moench, Alan Grant e eu éramos chamados para contribuir após o esboço geral já estar pronto.

MW: Você é o criador de inúmeros personagens no universo do Batman, muitos deles estão por aí até hoje e alguns tem até seus próprios fandoms, como Stephanie Brown. Você se surpreendeu com o crescimento inesperado de algum desses personagens?

Dixon: Stephanie Brown foi uma grande surpresa. Só planejei uma história com ela. Ela era originalmente um truque de roteiro; a filha rebelde do Mestre das Pistas. Mas os fãs gostaram dela e escreveram cartas (no tempo em que se escreviam cartas) e eu a trouxe de volta mais e mais vezes. Ela se tornou minha personagem favorita entre as que criei pra DC.

MW: Existe algum personagem que você acredita que tinha muito potencial mas acabou não tendo a mesma sorte com outros autores?

Dixon: Graham Nolan e eu ficamos um pouco decepcionados que nossa recriação do Capitão Temor como vilão do Batman não deu certo. Nossos editores odiavam ele!  (Nota do Mansão Wayne: o primeiro Capitão Temor foi criado em 1973 e era um índio caribenho que se tornou pirata e combatia os espanhóis).

MW: De todos esses personagens, você tem um preferido?

Dixon: Como disse, a Stephanie. Ela criou vida própria. Gostava do fato dela ser muito mais pé-no-chão do que muitos desses personagens. Só era uma combatente do crime mascarada quando via necessidade ou queria sair em uma aventura.

MW: Foi uma surpresa a recepção extremamente positiva do público ao Tim Drake, personagem que você moldou nas minisséries e título-solo?

Dixon: Ele teve um bom começo graças ao trabalho que o Denny e o Alan Grant fizeram. Eu segui o caminho deles e aprofundei os aspectos que os fãs mais gostavam. Tentei fazer com que ele fosse o Robin mais identificável de todos.

Capitão Temor e Stephanie Brown, a Spoiler.

MW: Você sempre retratou de forma magistral os conflitos ideológicos entre personagens, cada um com suas próprias diretrizes morais que muitas vezes levavam a desentendimentos. Por exemplo, poucos escritores mostraram tanto o Alfred usando uma carabina, enquanto o Batman fazia discurso contra armas. Nos últimos anos vemos um aumento na quantidade de histórias que abordam esse tipo de conflito, personagens cada vez mais diversificados, com origens e ideologias diferentes. Qual é sua opinião sobre isso?

Dixon: Eu simplesmente tentei fazer que cada personagem se destacasse como indivíduo. Eu dei a eles suas próprias vozes e princípios. Não gosto de histórias em que o diálogo e ações são intercambiáveis entre um grupo de personagens bidimensionais. Eu trabalhei duro para elevar minhas histórias além disso.

MW: Você nomeou muitas ruas, bairros, pontes, parques, criou a Zesti-Cola e mais um monte de coisas do tipo que deram a Gotham City uma identidade muito mais real para os leitores. Em uma história no final da Terra de Ninguém é mostrada, no Parque Grant, uma estátua de um escocês estereotipado e é explicado que o parque tinha esse nome em homenagem a um escocês anarquista milionário. Isso é uma clara piada com Alan Grant, outro grande escritor do Batman, escocês e anarquista. A exemplo desta, haviam muitas piadas internas entre a equipe nas histórias? Consegue lembrar de alguma que passou batido pelos leitores?

Dixon: Há MUITAS delas. Como a Ponte Westward, homenagem a Adam West e Burt Ward. Consegui passar essa pelo Denny, que odeia a série de 1966. Houve mais, faz bastante tempo e não lembro de todas. Eu lembro que as ruas de Blüdhaven são nomeadas com termos de caça a baleias ou nomes de escritores de crime.
Tentei fazer com que Gotham parecesse um lugar real usando localizações recorrentes como o Iceberg Lounge ou o Stripping Post. Amo criar locais fictícios e coisas de background me fascinam.

MW: Como falamos anteriormente, uma das características do Batman que você explorou em seus anos com o personagem foi sua aversão a armas. Ficava claro que ele condenava o uso delas. Por outro lado, você já declarou ser pró-armamento. Como era escrever um personagem com uma ideologia tão oposta à sua nesse aspecto?

Dixon: Eu tentei entender (e DE FATO entendi) a aversão do Batman a usar armas. Mas não é medo de armas. Eu deixei claro que o Batman é adepto a armas de fogo. Aprendeu tudo que podia a respeito para poder combatê-las melhor. Já quanto à opinião dele versus a minha, simplesmente inverti as coisas na minha cabeça para que o Batman pudesse falar de maneira passional e convincente sobre seu repúdio a armas de fogo.

MW: Como é para você ver outros autores continuarem trabalhos que você começou a desenvolver? Em especial com a Gail Simone, que transformou o título Aves de Rapina, iniciado por você?

Dixon: Eu fico feliz que meus trabalhos sigam em frente. Mas não acompanho nenhum de perto. É como ver seus filhos sendo criados com outro pai.

MW: Você introduziu, nas histórias das Aves de Rapina, um romance de Barbara Gordon com Ted Kord, o Besouro Azul. Você tinha mais planos para esse romance e, em especial, para o Ted?

Dixon: Eu planejei uma longa subtrama onde o agravamento da doença de Ted o forçaria a deixar o manto de Besouro Azul e contratar alguém pra assumir o posto. Sua primeira escolha seria Tim Drake, que deixaria de ser o Robin por um tempo para ser o novo Besouro Azul. Tim acabaria voltando a ser Robin, mas isso daria a ideia para Ted criar uma franquia do Besouro Azul, com um Besouro Azul em cada cidade. Parecido com o que fizeram depois em Corporação Batman.

Aves de Rapina com Besouro Azul.

MW: Bane foi um grande vilão criado, entre outros, por você. Você acompanhou a trajetória do personagem depois de sua saída? Se sim, o que achou dos rumos tomados?

Dixon: Ele realmente não se desenvolveu além do que Graham e eu fizemos. A maioria dos escritores foi fiel ao âmago do personagem, mas ele foi relegado a membro de equipe por um tempo, algo que não é muito da índole do Bane.

MW: Falando em Bane, como surgiu o novo projeto Bane: Conquest?

Dixon: A DC pensou que já era hora do Bane ser totalmente reintegrado ao Universo DC e quem melhor do que os caras que o criaram pra fazer isso?

MW: A DC anda resgatando conceitos que deram certo no passado, entre eles Tim Drake, Spoiler e Bane. O que você acha desse resgate?

Dixon: Qualquer autor gosta de ver suas obras viverem além dele.

MW: Depois de tantos trabalhos com Batman e afiliados, houve alguma história que, por qualquer motivo, não pode fazer?

Dixon: Tem uma história bem impactante do Morcego-Humano que quase foi feita. Eu gostaria de voltar a ela algum dia.

Bane no traço de seu co-criador Graham Nolan.

MW: Em que outros projetos você está trabalhando atualmente? O que podemos esperar para o futuro?

Dixon: Eu estive escrevendo Tex para a Bonelli, um sonho de longa data para mim, que amo faroeste, e Tex é o melhor quadrinho de faroeste no mundo. Tenho um projeto de autoria própria chamado UNprepped que vai sair pela IDW antes do fim do ano, com meu parceiro Scott Beatty. E tem uma webcomic semanal chamada Pellucidar (baseada na obra de Edgar Rice Burroughs) que faço com Gary Kwapisz. Andei escrevendo muitos romances que estão disponíveis na Amazon.

MW: Para finalizar, nosso muito obrigado pela entrevista – diga-se de passagem, você é nosso primeiro entrevistado estrangeiro, escolhido a dedo pela importância na trajetória do Batman. Algum recado para os leitores brasileiros?

Dixon: Obrigado a vocês pela honra! Eu sei que tenho muitos fãs no Brasil e agradeço a cada um deles!

Leonardo Vicente

Nunca sequer visitou Gotham City, muito menos morou numa caverna, nem mesmo treinou com os maiores mestres marciais do planeta. No comando do site Fala, Animal! e escrevendo para a revista Mundo dos Super-Heróis, se deu conta de sua triste maior diferença quando comparado com Bruce Wayne: não tem a mesma fortuna que ele!