A controversa criação do Coringa

Capa de Batma, #01, de 1941
Capa de Batman #01, de 1941

No post de estreia da coluna Arquivo do Batman no Mansão Wayne, vamos falar do nosso vilão mais querido: O Coringa.
Mantendo a tradição, focaremos em histórias mais antigas e até obscuras. Sendo assim, nada melhor do que começar pela primeira história e pelos bastidores da criação do palhaço.

Batman estreou em 1939, em Detective Comics número 27, menos de dois anos depois, em 1941, aproveitando o sucesso do Homem-Morcego, a National Periodical Publications, editora que viria a ser a DC Comics, lançou a primeira revista solo do morcego, com muitas novidades. Batman #01 foi importante, não somente por ser o primeiro título próprio do Homem-Morcego, mas por contar a primeira história do Coringa e da Mulher-Gato.

A trama do debut do Coringa chamava-se “The Joker”, escrita por Bill Finger, desenhos de Bob Kane,  arte-final e letras de Jerry Robinson. Na história, o Coringa anuncia pelo rádio que matará e roubará ricaços e, mesmo com um aparato de segurança acionado pela polícia, o palhaço executa os seus planos, para em seguida anunciar que executará outro assassinato e roubo, mais uma vez pelo rádio. Os assassinatos são praticados com um veneno que deixa um sorriso macabro no rosto das vítimas.

Primeira página da história de estreia do Coringa
Primeira página da história de estreia do Coringa

 

O gângster Brute Nelson ameaça o Coringa. Batman e Robin suspeitam que essa ameaça do gângster ao Coringa é uma armadilha e, quando chegam à casa do gângster, encontram o Coringa matando-o. Batman persegue o Palhaço, mas é nocauteado (acreditem se quiserem).

O Coringa então anuncia que matará o Juiz Drake e, disfarçando-se de Chefe da Polícia, o mata. Robin, que estava vigiando a movimentação fora da casa, vê o Coringa saindo e o segue até uma casa abandonada, onde é capturado pelo palhaço. Esses sidekicks…

Batman consegue rastrear Robin porque as solas dos seus sapatos estavam com uma substância química, que deixava um rastro perceptível às ondas infravermelhas, e Batman possui um óculos para enxergar essas ondas. O Homem-Morcego chega a tempo de salvar o Garoto-Prodígio de ser envenenado pelo Coringa. Após uma briga, Batman consegue sair do local com o Robin e o Coringa foge.

Robin avisa ao Batman que o Coringa pretendia roubar o colar da Cleópatra, que estava com  Otto Drexel. Batman e Robin chegam à casa de Drexel com o roubo em andamento e impedem o palhaço de executá-lo. O Coringa, mesmo atirando no Batman, é derrotado e preso, sendo então enviado para uma prisão estadual, não ao Asilo Arkham, ainda.

A história que fecha a edição, intitulada “The Joker Returns”, é continuação desta e foi produzida pela mesma equipe criativa. A trama mostra que o Coringa foge da prisão e, em seguida, assassina o chefe de polícia, rouba um quadro famoso e mata o dono de uma pedra preciosa para roubá-la. O Caos em Gotham.

O Coringa disfarçando-se de Chefe de Polícia
O Coringa disfarçando-se de Chefe de Polícia

 

Pelo rádio, Bruce Wayne ouve que o Coringa mais uma vez pretende roubar o colar da Cleópatra que está no Museu Drake. À noite, o palhaço vai ao museu e pega o colar, mas Batman aparece, os dois se enfrentam numa luta corporal, e mais uma vez o Homem-Morcego é nocauteado!
O Coringa foge em seguida. Antes de ser desmascarado pela polícia, Batman “foge” (vai embora, né povo? Batman não foge nunca) do museu. Cabe lembrar que, nesta época, o Batman era caçado pela Polícia.

Quando um político discursa contra o Coringa, o palhaço o ameaça de morte… e cumpre. Bruce Wayne encontra-se com o Comissário Gordon e os dois tramam uma armadilha para o Coringa. A trama funciona, Batman persegue o palhaço, os dois lutam e o Coringa tenta esfaquear o Homem-Morcego, mas acaba esfaqueando a si próprio e MORRE. Não, mentira, não morre. A ideia original era essa, que o Coringa morresse no final, mas o  editor Whitney Ellsworth não permite, e obriga Finger a escrever mais um quadro dizendo que o Coringa havia sobrevivido. Fosse hoje ele seria ressuscitado. Na boa. Sem polêmica.

A morte do Coringa
A morte do Coringa

 

Esse resumo, (spoilers?) dessas duas histórias, foi uma aquecimento para entrar no objetivo desse post que é discutir: Quem criou o Coringa?

A equipe criativa foi Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson. Não há questionamento que a ideia foi de Finger, porém, é na concepção visual que reside a polêmica. Foi Kane ou Robinson? A discussão é interessante e cada lado possui bons argumentos.

Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinsosn
Bill Finger, Bob Kane e Jerry Robinson

Bob Kane dizia que se inspirou na imagem do ator alemão Hans Walter Conrad Veidt, no filme “O Homem que Ri” para criar o Coringa. Em 1994, Kane defendeu sua versão em uma entrevista na qual diz:
“Finger e eu criamos o Coringa. Bill era o escritor. Jerry Robinson chegou com uma carta coringa de baralho. Esta é a história resumida. O Coringa se parece com o Conrad Veidt – o ator de ‘O Homem que Ri’. […] Finger tinha um livro com uma foto de Conrad Veidt, me mostrou e disse, ‘Eis o Coringa’. Jerry Robinson não teve nada a ver com isso. Ele vai defender que teve participação até morrer. Ele trouxe uma carta de baralho, que usamos em algumas edições para que o Coringa utilizasse como cartão.

Conrad Veidt no filme "O Homem que ri" e o Coringa na Capa de "O Homem que ri"
Conrad Veidt no filme “O Homem que Ri” e o Coringa na Capa de “O Homem que Ri”

 

A versão de Jerry Robinson também foi dada em uma entrevista, em 2009, na qual ele declarou que a verdade era mais complicada:
Há uma história que o Coringa foi inspirado em Conrad Veit… do filme O Homem que Ri, isso é verdade e não é verdade. O que realmente aconteceu foi que Bob e eu nunca havíamos ouvido falar de ‘O Homem que Ri’ antes de Bill nos mostrar. Bill era aficionado por filmes alternativos e pelo filmes do expressionismo alemão. Conrad era uma ator alemão famoso. Na minha primeira reunião, eu mostrei ao Bill meu rascunho do Coringa, e Bill disse que o desenho o lembrava Conrad Veidt. Foi a primeira vez que ouvi falar dele. Bill disse que me mostraria e, no dia seguinte, ele trouxe uma imagem de Veidt no filme. Quando me mostrou fiquei surpreso, parecia-se muito com o Coringa. Foi isso que aconteceu. Não teve relação com uma carta de baralho. Meu desenho ajudou Bill a mentalizar o personagem. Foi assim que ele surgiu.”

Desenho que Jerry Robinson fez para o Coringa
Desenho que Jerry Robinson fez para o Coringa

Então, o que acham? Bill Finger disse que não se lembrava exatamente quando Robinson mostrou a carta do Coringa, e disse a um editor da DC que a versão de Bob Kane estaria mais próxima da verdade.

Convém lembrar que, nessa época, Bill Finger e Jerry Robinson eram funcionários de Bob Kane, que havia criado uma empresa para produzir material para a National Periodical Publications. As histórias, em sua maioria, saíam com créditos apenas de Bob Kane, que em algumas edições nem chegava a desenhar. Depois de 1943, quando Kane começa a desenha tiras do Batman para jornais, ele deixa de desenhar para as revistas.

Quando pesquisamos sobre o filme “O Homem que Ri”, é sempre destacado que o personagem de Conrad Veidt foi inspiração para o Coringa, porém os historiadores de quadrinhos (Emprego dos Sonhos!!!) tendem a acreditar mais na versão de Jerry Robinson pelo histórico controverso de Bob Kane, que misturava fatos e vivia tentando ficar com todos os créditos.

Cena do filme "O Homem que ri"
Cena do filme “O Homem que Ri”

O que ninguém contesta é que os três estiveram envolvidos.

O que vocês acham? Para mim, mesmo com todo o histórico contra, a versão do Kane parece mas realista. Acho muita coincidência que Robinson tenha desenhado um Coringa tão parecido com o personagem de Veidt. Mas não duvido de nada.

O que me parece claro é que até hoje não conhecemos a real origem do Coringa nos quadrinhos e nunca saberemos como ele foi, de fato, criado. Sabemos que Bill Finger teve a ideia para duas histórias, conversou com Bob Kane e Jerry Robinson, e os dois ficaram a cargo de criar sua aparência e visual. Visual este que foi de fato influenciado pelo visual de Conrad Veidt no filmem “O Homem que Ri”, antes ou depois do primeiro rascunho.

Como sempre, o Coringa nos confunde a respeito de sua origem, dentro ou fora dos quadrinhos.

Se estiverem interessados pelo filme “O Homem que Ri”, vocês podem ver o filme completo aqui. O filme é baseado no livro de mesmo nome, publicado em 1869, de Victor Hugo, que narra a história de Gwynplaine, filho de um nobre inglês, que é torturado e morto a mando do Rei James II, da Inglaterra de 1690. Ao mesmo tempo o Rei manda que o rosto de Gwynplaine seja desfigurado, de forma que esteja sempre sorrindo.

Curiosamente, “O Homem que Ri” possui notas maiores do que Batman v Superman no Rotten Tomatos

Em 2005 a DC Comics publicou a históriaBatman: The Man Who Laughs”, recontando a história original do Coringa. Essa trama serviu de inspiração para o filme “O Cavaleiro das Trevas”, de 2008.

Juliano Souza Ribeiro

Agente secreto durante o dia e aspirante a herói mascarado durante a noite, ainda encontra tempo para ser o arqueólogo da Mansão Wayne.