BATMAN E HOMEM-ARANHA II

ATENÇÃO!
Este texto contém altos spoilers do segundo “Batman e Homem-Aranha”.
Depois não diz que eu não avisei.

Existe algo que se perdeu de duas décadas pra cá.
Não, não sou aqueles velhos ranzinzas que acham que “no meu tempo era tudo melhor”. Quer dizer, sou. Mas não é a isso que eu me refiro.
Gosto dos quadrinhos de hoje. Gosto sim. Acho importante que eles abordem temas mais sérios, mais pesados, porque eles amadureceram não só com seus leitores, mas também de acordo com seu próprio tempo.
Mas é inegável que algo se perdeu.

Existe um jeito infalível (e até óbvio) de chocar: faça algo quando ninguém espera.
Aquela pessoa mais quieta é a que todo mundo para pra ouvir quando abre a boca.
Durante muito tempo, as histórias em quadrinhos se aproveitaram disso. Em uma mídia tão subestimada, qualquer coisa que foge do “lugar-comum” surpreende. Se por muito tempo os quadrinhos foram considerados coisas de criança, como ficam as coisas quando um dos personagens principais aparece usando drogas (como foi com o Ricardito e com o Harry Osborn), ou lidando com alcoolismo (como foi com o Tony Stark)? Doenças, racismo, machismo, homofobia, luto, bullying, discriminação… entre tantas aventuras fantásticas, onde o bem sempre vencia o mal, era chocante quando o mundo real invadia aquele faz-de-conta. E esses momentos, por serem tão diferentes, acabavam se tornando clássicos. Mostravam que aquelas histórias eram muito mais sérias do que podiam aparentar.
E porra, isso era foda!

Foi isso que se perdeu.
Essa ingenuidade falsa, que servia para dar ainda mais peso ao drama da vida real.
Hoje em dia, tudo é pesado demais, real demais. O chocante deixou de ser um evento e se tornou o padrão.
Não digo que isso é necessariamente ruim. Mas aquela realidade que seria tão memorável décadas atrás, hoje é um clichê, muitas vezes jogada sem desenvolvimento nenhum.

Acho que foi isso que mais mexeu comigo na primeira vez que eu li o segundo Batman e Homem-Aranha (New Age Dawning, no original).

capa

A trama não tem nada de muito novo. O Ra’s Al Ghul quer dominar o mundo e chantageia o Rei do Crime para ajudar, o que faz o Batman e o Aranha se juntarem novamente.
Como acontece com qualquer trama genérica, o que importa é o modo como o roteirista desenvolve a história. E o J. M. DeMatteis, que já tinha brincado com os dois heróis no primeiro encontro, repete a dose e cria uma história bem divertida, com um ótimo ritmo, apesar de pouco original.

O fato é que a história recupera um elemento bem interessante, há muito perdido na mitologia do Rei do Crime. Sua esposa, Vanessa. Ela sempre foi o contrapeso que equilibrava a balança de violência de Wilson Fisk (juro que nada disso foi piada com gordo), servindo pra humanizar o personagem, como mais recentemente pode ser visto tanto na série do Demolidor quanto na participação do personagem no título Justiceiro MAX, tirando dele a caricatura de supervilão e tornando-o mais real. Mas tem outra coisa que torna tudo mais real, e que é apresentada logo no começo da história.

Vanessa Fisk está com câncer terminal.

cancer
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O câncer nunca foi novidade nas histórias em quadrinhos (especialmente na Marvel, onde todo mundo ganha poder por radiação). O tema rendeu clássicos como A Morte do Capitão Marvel, no qual o herói, ao descobrir ter câncer, se prepara para morrer. Ou aquela que é considerada uma das melhores histórias do aracnídeo, O Garoto Que Colecionava Homem-Aranha, sobre o encontro do Aranha com seu maior fã, apenas para mostrar ao final que a criança está internada em um hospital, e que conhecer o herói era seu último desejo antes de morrer de leucemia.
Um tema assim pode parecer até comum hoje em dia, quando vemos personagens como Foggy Nelson, Questão e Jane Foster lutando contra a doença. Até mesmo o maior super-herói de todos já lidou com isso em All-Star Superman, e no futuro sombrio de Spider-Man Reign esse é o motivo pelo qual Mary Jane morreu. Mas lá nos idos de 1998, com meus 12 anos recém completados, isso me pegou de jeito. Ver aquilo impresso numa HQ tornava mais real aquela doença que só aparecia nos jornais que eu não lia e nos filmes que eu não assistia. E era mais assustador do que um velhote egocêntrico e um gorducho careca tentando dominar o mundo. Muito, muito mais.

Mas bóra falá de coisa boa?
Sim, porque a história é bem bacaninha.

Com a Talia chegando em Nova York para encontrar o Rei, o Batman e o Aranha se reencontram, se estranham por dois quadrinhos, e depois retomam de onde terminou o primeiro encontro: com um aperto de mão.

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Enquanto o Bats explica pro Aranha qualé o cenário, a Talia se aproveita da doença da Vanessa para persuadir o Rei a se unir ao seu pai. Confesso que não sou o maior fã do Ra’s Al Ghul, acho que poucos roteiristas sabem trabalhar com o vilão sem banalizá-lo. Mas o DeMatteis faz um bom trabalho, até por deixar o personagem em segundo plano.
Inclusive rola uma boa sacada, que mostra o Ra’s por duas perspectivas diferentes.

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Enfim, a Talia convence o Fisk a se encontrar com o Ra’s no Tibet (!),prometendo que o pai possui a cura para o câncer de Vanessa.E são seguidos pelos heróis, que passam por diversos apuros e aprontam as maiores confusões em clima de sitcom para capturar esses vilões ~da pesada~.

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Engraçado perceber um detalhe: Tanto o Rei quanto Ra`s realmente acreditam que agem por um bem maior. Enquanto Ra`s quer proteger o mundo, Fisk se sente um guardião de Nova York. Nenhum dos dois se vê como vilão.

No plot-twist da história é revelado que o câncer da Vanessa foi criado pelo próprio Ra`s, como um modo de atrair o Fisk para seu esconderijo antes de destruir a cidade. E acaba traído pelo Rei, que se une aos heróis para frustrar os planos.
No fim, Ra`s escapa, Fisk escapa, o Aranha e o Batman continuam miguxos, e Talia envia o antídoto do câncer para a Vanessa. Um final um pouco simples para o grande diferencial da história.

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Algo bacana que a história mostra é a relação dos heróis e vilões com suas namoradas e esposas. Peter com a Mary Jane, Fisk com a Vanessa, e a relação complicada entre Batman/Talia/Ra`s.

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Olhando com olhos críticos, tanto o roteiro do DeMatteis quanto os desenhos de Graham Nolan criam uma história mais leve que o encontro anterior, mesmo com o tema pesado. Talvez por ser mais simples do que o estudo psicológico do primeiro encontro, essa sequência acaba um pouco apagada na comparação. Mas isso não tira os méritos de uma boa história.

Já no mundo real, nos dias atuais, o tema perde o impacto que tinha na época. O modo como o câncer é tratado pode ser visto até como ingênuo comparado com o que vemos hoje.
Mas isso também não tira os méritos ou o peso do assunto.

Algo que, por ser tão real, acaba muito mais assustador que a ficção.

Sabe quem se importa com a bosta da sua opinião? Sabe quem quer saber as besteiras que passam pela porra da sua cabeça? Sabe quem que tem o mínimo interesse pelo que caralho você achou dessa coluna? Hã? Sabe?? Sabe???
NINGUÉM, SEU TROUXA Eu. <3
Comenta aí, vai…

Thiago Brancatelli

Lindo, alto e charmoso. Não possui bichos de estimação, mas divide o aluguel com um cachorro vira-lata chamado Tyler. Já fez tudo o que queria antes dos 30, por isso passa seus dias deitado no sofá lendo quadrinhos, vendo Netflix e comendo Tortuguitas. Está em um relacionamento sério com o site XVideos, mas é apenas pelo sexo.